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Mendigos high-tech e os nossos mendigos
São Paulo, 25 de setembro de 2010, sábado.

Nos países do primeiro mundo, como os EUA, é possível encontrar algo tão surreal, como mendigos com os seus notes a vagar pelas ruas das cidades, e conectar-se à Internet. É o caso dos mendigos high-tech, apresentado pelo blogueiro Humberto Oliveira.


Não é o caso daqui, na região de Sta. Ifigênia, onde cheguei a encontrar até carcaça de notebook na rua. Mas por enquanto nada de sem-tetos com um desses aparelhos funcionando nas mãos.

O artigo é interessante, e provavelmente você encontrará algo semelhante em outros blogs. Mas nesse aí, convém não levar muito a sério os comentários postados, e que chegam a ser quilométrico, mas cheio de bobagens. No entanto, a matéria levou-me a certas reflexões sobre as novas tendências. Não necessariamente em relação aos mendigos ou sem-tetos, e sim, sobre o futuro mercado de trabalho em um mundo conturbado.

No Brasil, os sem-tetos não são nada high-tech. E sim, reflexo de uma situação que está no mundo todo. Apenas que no primeiro mundo, eles têm certas condições para poder usufruir dessas tecnologias emergentes. E que permitem levar a inclusão digital até as últimas conseqüências. Isto é, apesar da condição de pobreza, eles têm certos benefícios lá.

Várias teorias poderiam tentar explicar a pobreza: Má distribuição de renda, falta de mão-de-obra qualificada etc. Muitos colegas estudam a questão, dentro da categoria sociologia do trabalho, economia (ou macro-economia) etc. Porém, modelos teóricos não significam a solução do problema. A meu ver, a causa é espiritual: A reforma deveria ser feita dentro de cada um de nós. Somente assim é que resolveria as complexidades as quais ela está envolvida. Mas como isso evidentemente não acontece (pelo menos ao nível geral), podemos dizer que a pobreza vai ser um constante na nossa vida.

Então, só nos resta as possíveis alternativas de como lidá-la. E uma das maneiras, por exemplo, seria o caso de Kevin Barbieux, blogueiro sem-teto, e que tornou-se famoso com o seu blog The Homeless Guy. Hoje ele continua atuante com o seu diário, porém, como voluntário em uma igreja presbiteriana em Nashville, Tennessee, EUA. Ao que parece, esse senhor de idade tem estilo que agrada a maioria.

A primeira vez em que vi o caso dele, foi quando eu estava pesquisando sobre mendigo virtual, tirado de um artigo publicado em uma revista de informática (a qual não me lembro qual é). Mais tarde, acabou surgindo aqui no Brasil, o seu primeiro caso, onde pedia doações através do seu blog. E em algum lugar do mundo, foi a vez de um jovem que fez o mesmo, argumentando que precisava gastar o dinheiro nas suas necessidades edônicas. Ele não era nada pobre. Hoje, basta digitar “mendigo virtual” no Google, que surgirão várias referências.

Mesmo sem querer aprofundar nas questões sociológicas do problema (pelo menos por enquanto), vejo-o como parte de um processo, e que atualmente envolve desde a globalização até as possíveis mudanças nas relações de trabalho. Na falta de uma qualificação profissional, só restam certas atividades, como a reciclagem. Aliado a esses fatores, a nossa sociedade atingiu um nível de consumo, em que sobram muitos materiais, principalmente os eletro-eletrônicos, e que vão para o lixo. E muitos destes ainda em condições de uso.

As minha observações se faz justamente na região de Sta. Ifigênia, centro comercial de alta tecnologia em informática e em eletrônicos, indo desde a Nova Luz até a região da Boca do Lixo. Nessas áreas, percebe-se a convivência entre os sem-tetos desocupados, e drogados até, com as tecnologias de ponta, sejam elas pirateadas ou não. Muitos vivem dessa reciclagem de eletro-eletrônicos.

Já deparei com caso em que um suposto sem-teto estava coletando restos de aparelhos eletrônicos danificados, juntamente com as latas de cerveja (alumínio). Mas ele recusa pegar nas lâmpadas PL queimadas, por achar que não tinha interesses comercial. Poucos sabem, mas a maioria dessas lâmpadas são recuperáveis. É bom lembrar que não faz muito tempo em que dizia-se que lá no Japão, era comum encontrar os aparelhos eletro-eletrônicos no lixo, justamente porque quebrou apenas uma peça e que não era comprometedora. Isto é, os tais estavam funcionando. Cogitaram, inclusive, na idéia absurda em importar esses lixos para vendê-los aqui no Brasil.

Eu mesmo deparei com um rádio-gravador e CD-player aparentemente novinho em folha no lixo. Não dava para saber qual era o problema do aparelho. Mas com certeza era recuperável. Ou seja: Hoje nós temos os lixos eletrônicos potencialmente funcionais, como nos países do primeiro mundo. É uma questão de tempo para começarem a surgir os notebooks. Faz um tempo, os sem-tetos que moravam debaixo do viaduto, em frente da casa onde moro (outra região da cidade), estavam vendendo lotes de aparelhos, como scanners, impressoras etc. por R$ 20,00. Uma tentação. Na Rua Triunfo, região de Sta. Ifigênia, você encontrará essas peças no estado (isto é, sem saber se funcionam ou não), por um preço bem acima daquele.

Os lixos, sejam eles eletrônicos ou não, valem dinheiro. No caso dos eletrônicos, ouvi um técnico dizer que até um simples aparelho de MP3 danificado é uma pequena mina de ouro em termos de peças reaproveitáveis. Como existem meios de lucros nesses materiais, e que estão nas mãos dos sem-tetos, possivelmente eles vão tentar recuperá-los primeiro. Ainda que seja para uso pessoal.

Convenhamos: Ter um computador de mesa (ou notes) funcionando nas mãos, significa futuros problemas cedo ou tarde. Principalmente quando sabemos que a perspectiva de vida desse tipo de aparelho é de aproximadamente 5 anos. Um notebook não seria por menos. Suponho que esses sem-tetos gringos receberam doações; ou possivelmente encontraram no lixo. Vão tentar manter o aparelho funcionando, aprender a fazer as possíveis manutenções. Em suma: Vão tentar recuperá-los. Na pior das hipóteses, venderão como sucata. No mínimo, muita coisa eles terão aprendido sobre a informática. E novas habilitações serão adquiridas.

Cria-se assim, um novo tipo de mercado de trabalho, muitas vezes informal. Dizer que é para a classe C, D ou E pouco importa. Porque haverá uma mistura de níveis. Um diálogo entre várias classes sociais. Nesse mercado vão entrar: Os “técnicos” que recuperam os aparelhos a baixo custo (ou de graça); os vendedores de sucatas eletrônicas “recondicionadas”; e os catadores “profissionais” para a indústria de reciclagem.

Continuando com esse diálogo, as classes AA, A e B, por exemplo, poderão experimentar as camisetas furadas a preço de quase R$ 3 mil cada, como apresentou o próprio blogueiro Humberto, nesse artigo.



Comentários feitos:
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27/09/2010 - 13:46 - Paulo Sindeaux - Muito bom. Vou postar um link no blog.

27/09/2010 - 20:57 - Gringoe - Interesting but it would be so much better if we could also read it in ENGLISH. Portuguese is a lovely language but a minority one

30/09/2010 - 21:27 - Michel (procuro um eletroímã na Santa Efigênia). - Bom..., não é de se surpreender o fato acima descrito, pois, é de conhecimento comum que o Brasil é um país defasado na questão de acesso a tecnologia e social.

Nos países desenvolvidos a tecnologia se difundiu com maior facilidade em função da oferta banal de produtos tecnológicos, a tecnologia se tornou tão banal nos países desenvolvidos que praticamente até as classes extremamente baixas tem acesso a ela.

Este fato denota a real situação econômica e de desenvolvimento de um país, tem em vista que nos EUA até mendigos tem um notebook, no Brasil o acesso a tecnologia e conhecimentos relacionados a ela a pouco tempo e de forma lenta vem deixando de serem privilégios das classes A e B expondo a situação defasada de nosso país.

03/10/2010 - Zadoque - Michel, lembro-me bem de que alguém me perguntou onde conseguir um eletroímã. Eu acho que foi lá no dia 28, quando passei naquele pedaço... Só que não me lembro de mais detalhes, nem em que condição esse evento ocorreu.

Paulo: Obrigado por ter gostado do artigo.


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